Tema da principal polêmica durante o Futurecom 2009, realizado na segunda semana de outubro em São Paulo, a construção de uma rede de banda larga pelo governo, usando a infraestrutura das empresas de energia elétrica e estatais como Petrobras, para atuar complementarmente aos serviços oferecidos pelas teles, não é um projeto que surgiu do nada, apesar da surpresa do mercado.Também não é apenas fruto dos saudosistas do antigo sistema estatal, inconformados com a privatização, como vaticinam outros. O projeto encontrou um terreno fértil para se desenvolver: a infraestrutura deficiente de banda larga das teles, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. E mais do que a qualidade, o preço cobrado e a falta de oferta do serviço em muitos casos.
Se as operadoras de telecomunicações estivessem atentas ao que está acontecendo em vários estados e cidades, teriam percebido que há um movimento no sentido de o poder público ocupar o espaço deixado por elas. Seja por falta de oferta de serviço, caso do Pará, seja pela convicção de que a construção de uma rede pública de banda larga é fundamental para o desenvolvimento da cidadania, caso do Rio de Janeiro.
Dos projetos em desenvolvimento, o mais avançado é o Navegapará, uma rede pública estadual de comunicação de dados do Pará, que está sendo implementada em parceria com empresas e entidades que já dispõem de infraestrutura de telecomunicações, como Eletronorte, Vale e RNP (Rede Nacional de Pesquisa), do MCT. O projeto do Pará, iniciado em 2007, usa a capacidade ociosa do backbone da Eletronorte para integrar o estado. Em sua primeira fase, já concluída, atende a 16 municípios, incluindo a capital Belém, onde vivem 45% da população do estado. Na segunda etapa, em execução, o governo do Pará vai cobrir mais 45 municípios, atendendo outros 15% da população. Entre 2007 e 2009, foram investidos R$ 40 milhões.
Renato Francês, presidente da Companhia de Processamento de Dados do Pará (Prodepa), responsável pelo projeto Navegapará que já interligou mil pontos públicos no estado, vem defendendo que a experiência seja nacionalizada, com a criação do Navega Brasil, uma rede pública de dados, para atendimento dos governos e suas redes. “As teles cuidam do atendimento do mercado”, diz ele.
O governo do Ceará pretende leiloar, em janeiro, três cotas de participação na empresa de transporte de dados que vai gerir o Cinturão Digital do Ceará, uma rede de fibras ópticas que vai interligar 92 sedes de municípios, em uma parceria com a Coelce, empresa de energia, e a RNP. Quase a metade das 184 existentes no Ceará, essas cidades abrigam 90% da população do estado. O Cinturão Digital tem 10 pares de fibras e 2,3 mil quilômetros de extensão nesta primeira fase. O lançamento dos cabos começou em agosto e deve se concluir em maio de 2010. O governo pretende criar uma empresa na qual terá, desde sua formação, uma participação menor que 50%. E realizar um leilão para escolher três outros sócios do empreendimento. Existe, também, a possibilidade de lançar ações, correspondentes a cerca de 10% de seu capital.
O estado Rio de Janeiro lançou o Rio Digital, que começa pela Baixada Fluminense. O sinal já foi ativado e está em teste em parte dos municípios da Baixada, que deverá estar totalmente coberta até 2010, atendendo a 2,3 milhões de pessoas. O sinal será aberto e gratuito à população e caberá às prefeituras adquirir o acesso de última milha para interligar os órgãos públicos.
O projeto prevê interligar todos os municípios do estado, que foi dividido em 15 regiões, por meio de uma rede pública que usa o backbone da Rede Rio. A partir do backbone o sinal é distribuído por rede sem-fio, com tecnologia WiMAX e WiFi. O custo total do projeto é estimado em R$ 60 milhões; na Baixada foram investidos R$ 3 milhões.
Já Minas Gerais iniciou seu projeto-piloto por cidades pequenas, com menos de 10 mil habitantes. Em outubro de 2009, concluiu a implantação de redes sem-fio em dez cidades. A iniciativa faz parte do programa Minas Digital, cuja meta é instalar redes de banda larga de última milha em todos os municípios mineiros com menos de 20 mil habitantes – são 688 dos 853 municípios daquele estado. A justificativa para o projeto é que as cidades pequenas não são contempladas pelos investimentos das operadoras, por gerarem baixo retorno econômico. Para levar a internet até essas primeiras cidades, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sectes) usou o backhaul (rede de acesso) da Infovias (rede com participação da Cemig), pois as teles não chegam até lá. Mas, no futuro, à medida que as operadoras expandam seu backhaul, a ideia é contratar delas links no atacado. As prefeituras vão pagar pelo sinal usado pelos órgãos públicos, mas podem abri-lo usando redes sem fio, em logradouros da cidade. As redes locais serão administradas por pequenos provedores, que vão cobrar a conexão dos clientes individuais e se comprometem, em troca de explorar o serviço, a manter um fundo de manutenção e expansção equivalente a 10% de sua receita e a abrir o sinal duas horas por dia para todos os cidadãos.
Tanto os técnicos da Sectes, de Minas Gerais, como os da Companhia de Processamento de dados do Pará (Prodepa), responsável pelo Navegapará, dizem que o fato de as concessionárias de telefonia estarem obrigadas a levar o backhaul a todos os municípios brasileiros até o final de 2010, dentro do contrato de troca de metas de universalização, não resolve o problema de infraestrutura, porque a capacidade de transmissão de dados fixada é baixa frente às necessidades dos órgãos estaduais e prefeituras. Em Minas Gerais, argumentam que a existência de um backhaul alternativo ao das concessionárias, que pode ser contratado por qualquer operadora, levará competição à ponta.
Também o Rio Grande do Sul segue no mesmo caminho. Quer construir uma rede pública de telecomunicações, usando várias tecnologias, para atender a administração estadual e municipal. O projeto-piloto, no qual o estado está investindo R$ 1,2 milhão, abrange os municípios de Piratini, Candiota e Camaquã. Foram escolhidos pois se encontram no Sul do estado, próximos da rede de fibra óptica da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Em 2010 o programa deverá ser estendido para mais quatro municípios. Além de interligar os serviços públicos, a rede deverá ser utilizada para prover serviços como o de telessaúde.
Por Lia Ribeiro